Karmann Ghia TC
Para que serve o manual do proprietário? Supostamente, para ajudar o dono a conservar seu carro em boas condições, certo? Bem, pelo menos costuma ser assim. Mas o que dizer da foto de capa do livreto de instruções (veja na coluna à esquerda) que mostrava um Karmann Ghia TC à beira do mar com as rodas na água? A prática de expor o carro à água salgada é universalmente condenável. Mas, no caso do TC, a cena chega a ser irônica.
Para que serve o manual do proprietário? Supostamente, para ajudar o dono a conservar seu carro em boas condições, certo? Bem, pelo menos costuma ser assim. Mas o que dizer da foto de capa do livreto de instruções (veja na coluna à esquerda) que mostrava um Karmann Ghia TC à beira do mar com as rodas na água? A prática de expor o carro à água salgada é universalmente condenável. Mas, no caso do TC, a cena chega a ser irônica.
Isso porque o carro teve breve existência (1970-1976), em grande parte devido a sua justificada fama de enferrujar ao primeiro sinal de chuva. Várias suspeitas foram levantadas para diagnosticar essa reação alérgica. Tratamento incorreto das chapas e armazenamento inadequado foram duas delas. Mas segundo Carlos Dib, o proprietário do imaculado TC 1973 que ilustra esta reportagem, a resposta estava nas pranchetas dos projetistas. Segundo ele, a água entra pelas borrachas das portas e se infiltra por baixo da forração anti-ruído do assoalho. Também as simpáticas entradas de ar dianteiras - por falta de drenos adequados - servem de coletores de chuva para transformar as caixas em pequenos açudes. Os aros dos faróis e a janela traseira eram outros pontos vulneráveis. Enfim, falhas de projeto. Dib, de 43 anos, dá seu parecer com a autoridade de quem afirma já ter sido proprietário de nada menos que dez modelos TC.
Na sensibilidade às intempéries pode estar a resposta para explicar o naufrágio de um projeto que tinha tudo para dar certo. Era um modelo exclusivo para o mercado brasileiro para suceder o pioneiro Karmann Ghia, que já não encantava tanto os consumidores como no passado. Ao contrário do primeiro, a criação do TC saiu das pranchetas dos estilistas da fábrica de São Bernardo da Volkswagen, que depois repassou o projeto para a Karmann Ghia brasileira, que fabricava as carrocerias.
O fastback montado sobre a plataforma dos VW Variant e TL lembrava um Porsche 911 e trazia várias vantagens sobre seu antecessor. Para começo de conversa, ele podia com alguma boa vontade levar até cinco passageiros. E tinha um porta-malas digno desse nome. Isso sem contar que havia a opção de rebater o banco traseiro bipartido e transformar o compartimento de carga num grande baú. Em comparação com o antecessor, era um latifúndio. Ele também eliminou dois inconvenientes do modelo antigo: a turbulência interna com os vidros abertos e o desconforto que o sol causava ao incidir na nuca dos ocupantes. Sua visibilidade também era superior, assim como o espaço na dianteira. Por pouco mais de 10% sobre o valor do KG tradicional - com quem o TC conviveria por três anos -, o comprador levava um projeto mais moderno, prático e até mais bonito, segundo a imprensa especializada da época.
Mas em matéria de desempenho ele mantinha a tradicional limitação dos 65 cavalos do motor VW 1600 refrigerado a ar. O jornalista de QUATRO RODAS Expedito Marazzi, nas edições de agosto de 1970 e janeiro de 1971, mostrou-se impressionado com a beleza das linhas. Mas em ambas as ocasiões classificou de modesto o comportamento do motor. De fato, para quem insinuava esportividade, 142 km/h de máxima e uma aceleração de 0 a 100 km/h em 23 segundos eram marcas pálidas Em compensação, o consumo foi merecedor de elogios. E hoje, como anda o TC?
É só virar a chave que o 1600 acorda sem titubear. O funcionamento "limpo" do motor do Karmann Ghia que registra 12140 quilômetros no hodômetro não dá nenhuma pista de que o carro ficou parado por anos. Sim, pois este Karmann Ghia permanece guardado, com os fluidos esgotados. "É carro de museu", afirma Dib, que em 1999 quase o vendeu para o Karmann Museum, localizado na cidade de Osnabruck, na Alemanha.
Colocado em condições de rodar especialmente para as fotos, o TC se mostrou silencioso e firme como se tivesse saído da primeira revisão. Que aliás nem chegou a ser feita, como comprova o livreto de manutenção.
O acionamento do câmbio continua com aquela precisão histórica dos velhos VW. Mas o que mais impressiona é o trabalho suave e silencioso da suspensão, um comportamento digno para os dias de hoje, apesar de os pneus, de aro 15, ainda serem os originais.
Naqueles anos 70, a primeira providência de quem gostava de acelerar era colocar radiais aro 14 no lugar dos diagonais que vinham de fábrica. Uma pequena rebaixada na suspensão também fazia parte da receita básica, além de uma pitada de veneno no motor.
Com seus pontos fracos expostos em praça pública, as vendas do TC não corresponderam às expectativas da VW, que em 1976 retirou-o de cena.
Nem o TC e tampouco o SP-2, outro "esportivo" da marca também lançado em meados dos anos 70, foram capazes de ocupar a vaga deixada pela primeira versão do Karmann Ghia. Quanto ao "nosso" TC azul calcinha, depois da sessão fotográfica com direito a algumas voltas para matar a saudade, voltou a hibernar. Quem sabe um dia ele não acorda num museu...
Publicado na edição de março de 2004.
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